Integridade vale a pena?

“Por vezes associamos a corrupção a grandes escândalos corporativos. O historiador e professor Leandro Karnal diz que ‘não existe país com governo corrupto e população honesta'”

Mais de 600 mil pessoas já receberam indevidamente o pagamento do auxílio emergencial, benefício criado pelo governo brasileiro durante a pandemia do coronavírus. Se esses pagamentos irregulares não forem interrompidos, eles podem causar um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos.

Em abril, por exemplo, foram mais de 50 milhões de pessoas beneficiadas pelo auxílio emergencial. No entanto, dentro desse grupo, mais de 235 mil eram empresários não classificados como Micro Empreendedores Individuais (MEI’s), que é um dos requisitos do programa. Outras aproximadamente 17 mil são pessoas dadas como mortas. Além disso, mais de 134 mil servidores públicos, outro critério excludente para o recebimento do pagamento. Em meio a esse cenário, aproximadamente 47 mil pessoas devolveram o benefício, retornando uma quantia estimada de R$ 39 milhões.

Por vezes associamos a corrupção a grandes escândalos corporativos. O historiador e professor Leandro Karnal diz que “não existe país com governo corrupto e população honesta”. O combate a esse mal – que é um fenômeno social com ramificações culturais e econômicas – está sob o poder de cada um de nós enquanto cidadãos e indivíduos, no nosso dia a dia.

A ONU e o Fórum Econômico Mundial possuem estudos que mostram, estatisticamente, que até 5% do PIB brasileiro é perdido, todos os anos, para a corrupção. Outro relatório semelhante da Fiesp aponta esse valor na casa de 2,3%. Fazendo uma mescla das duas metodologias, chega-se ao montante aproximado de R$ 248 bilhões. Para tangibilizar o que isso representa: ele equivale a 30 vezes o orçamento para a Educação no estado do Paraná em 2019, que é o 5º maior PIB da economia brasileira.

A corrupção desacelera o crescimento de um país. Se queremos combater verdadeiramente esse mal, que assola nossa sociedade e engessa nosso progresso, é preciso entender que cada um é parte da mudança. Entender que integridade vale a pena significa também entender que o ganho no coletivo pelo comportamento íntegro é muito maior do que o ganho individual.

A corrupção não é o único problema no Brasil ou a causa de todos eles, mas é, sem dúvida, uma questão fundamental e motriz para a ocorrência de diversos outros. Aliás, foi considerada em 2013, em uma pesquisa da WIN/Gallup International, o maior problema do mundo.

Os índices de corrupção de um país são inversamente proporcionais à competitividade de suas empresas no cenário global. A concorrência desleal, proveniente de favorecimento e vantagens, não estimula o crescimento e o pleno desenvolvimento econômico.

Se uma economia é construída em cima de negociações irregulares, é como um castelo de areia, de bases frágeis e incertas. O real desenvolvimento provém do estímulo à concorrência justa, com baixas intervenções do Estado. Em um cenário onde a corrupção é a regra do jogo, esse desequilíbrio fica evidente.

A corrupção é um fator que aumenta a imprevisibilidade e o risco nos negócios, afastando investimentos. Em 2015, por exemplo, Brasil perdeu o selo de bom pagador e o grau de investimento das três principais agências de classificação de risco: Moody's, Standard & Poor's e Fitch.

Na opinião do professor de História da Universidade Federal de Santa Catarina, Tiago Kramer, buscar as causas da corrupção contemporânea no Brasil através do período colonial é um exercício perigoso. Ele admite que o estudo das relações de poder nesse período oferece uma contribuição para pensar nos problemas atuais, mas destaca que a corrupção deve ser entendida e avaliada sob as perspectivas entre as forças políticas e econômicas de cada período. Segundo ele, o problema caminha no Brasil de mãos dadas com a desigualdade social e com a dificuldade de aprofundar em instrumentos democráticos de acesso à saúde e educação, entre outros.

Por isso, é preciso refletir sobre a integridade e seu valor. Ela deve valer a pena diante das pequenas e grandes tentações que temos, todos os dias, para o cometimento de não conformidades. Sistemas, mecanismos ou ferramentas corporativas são simples meios para atingir um fim maior, coletivo, já que as organizações são um elemento ubíquo em qualquer sociedade.

Como já disse Gandhi: “seja a mudança que quer ver no mundo”. Portanto, deixo meu convite à sua reflexão e ação: sejamos os propulsores daquilo que queremos ver como transformação para, então, podermos exigir do próximo. O enfrentamento da corrupção e de tantos outros problemas que vivenciamos no Brasil depende de todos nós.

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*********Letícia Sugai é sócia das empresas Veritaz Gestão de Riscos e Compliance e Gordion Consultoria. É presidente do Instituto Paranaense de Compliance (Ipacom) e criadora do Movimento “Integridade sempre vale a pena”

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