‘Os passos vermelhos de John’ tem narrativa em camadas temporais

Primeiro romance de Luigi Ricciardi utiliza a visita do famoso escritor norte-americano John dos Passos a Maringá para criar uma trama multifacetada e textualmente diversa, com direito a pitadas de thriller policial

Um escritor famoso, um estudante norte-americano, uma cabocla lendária e uma cidade inventada. Estes e outros elementos formam a prosa multifacetada de “Os passos vermelhos de John ou a invenção do tempo” (2020, ed. Penalux), primeiro romance escrito por Luigi Ricciardi.

A narrativa do livro é ao mesmo tempo simples e complexa. Simples, porque a prosa flui de maneira natural, sem solavancos, como num bom thriller de mistério; complexa, porque mistura diferentes camadas temporais e tipos textuais (depoimentos, diário, versos e até mesmo conversas de “zap-zap”) para revelar outra Maringá.

Isso mesmo. “Os passos vermelhos de John” tem como cenário principal a famosa Cidade Canção, encravada na região Norte do Paraná. A narrativa estabelece um fluxo temporal principalmente entre os anos de 1958 e 2018, ligando personagens como o escritor John dos Passos (passado) e o estudante de literatura Dean Albuquerque (presente) a uma trama recheada de vozes oficiais e não-oficiais.

O eixo principal da narrativa é a passagem de Dos Passos (1896-1970) por Maringá em 1958, quando conheceu o jovem município (tinha apenas dez anos de fundação) e se encantou por Maria do Ingá, a cabocla sindicalista e esquerdista que deu nome à cidade. Ricciardi transporta a musa da canção “Maringá”, de Joubert de Carvalho, para a localidade.

Aliás, a trama do livro explora a polêmica em torno da existência da tal Maria do Ingá. Ela teria existido apenas na letra da famosa canção. No entanto, na narrativa, muitos personagens juram que a viram. Seu “sumiço” dos relatos teria sido arquitetado.

Esse é um dos mistérios investigados por Dean Albuquerque, em 2018, durante sua visita a Maringá. Ele está atrás dos passos do famoso escritor norte-americano (que escreveu “Paralelo 42” e “1919”, entre outros).

Trecho de página do livro de Luigi Ricciardi (Foto: Cristiano Martinez/Correio)

VERMELHO
A coloração vermelha é um elemento bastante explorado na trama criada por Luigi Ricciardi. A começar pelo título do livro, que faz referência a uma cena mais forte da narrativa, que envolve sangue.

Mas essa cor também pode significar, no contexto de “Os passos vermelhos de John”, a ligação de John dos Passos com causas sociais numa fase de sua carreira literária. É comum associar esse tipo de visão com o espectro ideológico da esquerda.

Inclusive, na trama Maria do Ingá é sindicalista e luta pelos direitos trabalhistas. Novamente, o vermelho está nesse ambiente. Ou seja, uma pessoa “do contra”, que se rebela contra o status quo.

E a terra do Norte do Paraná é marcada pelo tom vermelho, encorpado, sangrento. Ainda mais num período de surgimento da Cidade Canção que era pautado pelo clima de faroeste.

THRILLER
O romance de Ricciardi se propõe a desmistificar algumas imagens consagradas de Maringá, como é o caso do progresso e do planejamento. O livro revela o quanto esses processos apagaram a história e passaram por cima de personagens que ajudaram a construí-la.

Porém, a obra não deixa de ser também um bom thriller policial. Um agente búlgaro persegue Dos Passos até chegar ao Brasil, onde planeja matá-lo em Maringá. Tudo porque o escritor norte-americano havia “traído” o ideário comunista.

AUTOR
Luigi Ricciardi é professor de francês e literatura. Tem mestrado e doutorado em Estudos Literários. Nascido em Londrina, vive em Maringá. Fundou a revista Pluriverso e mantém a Acrópole Revisitada, blog de resenhas literárias. Publicou os livros de contos: “Anacronismo moderno” (2011), “Notícias do submundo” (2014), “Criador e criatura” (2015), “Antes fosse uma metáfora morta” (2018) e “A aspereza da loucura” (2018).

SERVIÇO
Com 216 páginas, o livro “Os passos vermelhos de John ou a invenção do tempo” pode ser adquirido diretamente com a editora Penalux (www.editorapenalux.com.br/loja/os-passos-vermelhos-de-john), a R$ 40.

***********Texto: Cris Nascimento, especial para CORREIO

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