Os cinemas drive-in em tempos do novo coronavírus
A dica cultural é “O último cine drive-in” (2015), filme dirigido por Iberê Carvalho e disponível no catálogo da plataforma de streaming Netflix. A narrativa dessa produção se passa em um antigo cinema a céu aberto de Brasília
“Esquema drive thru”. Esta é uma expressão que se popularizou nesse momento de pandemia do novo coronavírus.
Para evitar aglomerações, diversos serviços se adaptaram para atender a população em “drive thru”, ou seja, “através do carro”: os clientes não precisam sair de seu veículo para aplicação de vacinas, compra de remédios e até as futuras bênçãos da Páscoa.
Curiosamente, essa dinâmica é utilizada há décadas pelo cinema drive-in, principalmente nos Estados Unidos. É um tipo de exibição em que o espectador estaciona seu automóvel em um pátio, a céu aberto, diante de uma telona para assistir ao filme. Seu boom iniciou na segunda metade do século 20 e hoje vive de maneira decadente.
Mas, com as salas multiplex fechadas, esse antigo sistema ganhou força em solo ianque. Segundo reportagem do jornal The New York Times, um cinema drive-in em Austin (Texas) se tornou local para exibição de filmes como “Curtindo a vida adoidado” e “Clube dos cinco” para plateias ávidas por entretenimento e estressadas pelo isolamento doméstico.
A ideia é boa, pois cada um fica em seu carro, distante do contato coletivo.
Segundo a Associação dos Proprietários Unidos de Cinemas Drive-In, sediada em Stephens City (Virgínia), continuam existindo 305 cinemas drive-in nos Estados Unidos. A associação diz que há cinemas nesse modelo em todos os estados americanos, com exceção de Alasca, Dakota do Norte, Delaware, Havaí e Louisiana.
No caso do Brasil, o Cine Drive-in de Brasília se autointitula como sendo o único ainda em atividade no país. Inaugurado em 25 de agosto de 1973, ele funciona no centro da capital brasileira.
Mas em tempos de Covid-19, o Cine Drive-in avisou em seu site que está sem atendimento, até o dia 5 de abril (ou que outra data seja determinada pelo governo do Distrito Federal).
Já o CineCar inaugurou suas atividades em 2019, no bairro Interlagos, em São Paulo. É um cinema a céu aberto, com exibição de filmes, ou seja, drive-in. Em sua página nas redes sociais, o estabelecimento informa que está temporariamente fechado, atendendo às recomendações da Prefeitura. Até então, a programação seguia normalmente.

FILME
No universo dos filmes norte-americanos é muito comum a inserção de cenas que se passam em cinemas drive-in, principalmente em produções de época.
Isso já não é tão comum no cinema nacional. Claro, esse tipo de exibição ao ar livre nunca foi muito comum no Brasil. Aqui, a tradição sempre foi de cinemas de rua, antes do aparecimento das salas multiplex em shopping centers.
Mesmo assim, é possível identificar pelo menos um longa-metragem com essa ambientação externa. Trata-se de “O último cine drive-in” (2015), filme dirigido por Iberê Carvalho e disponível no catálogo da plataforma de streaming Netflix.
Como o título entrega, a história se passa num antigo cinema drive-in, o último em atividade em Brasília. O local está em penúria e caindo aos pedaços, com poucos funcionários e movimento fraco de veículos.
O jovem Marlombrando (Breno Nina) está com sua mãe adoecida em um hospital brasiliense. Ele é filho do proprietário do cinema, o Almeida (Othon Bastos), com quem não tem uma relação fácil. Na verdade, os dois estavam afastados há muito tempo.
Se não bastasse tudo isso, o cinema está sob ameaça de ser demolido.
O desafio na narrativa do filme é superar as diferenças entre pai e filho, em meio à crise do cinema e da doença da mãe.

Se o longa de Carvalho não chega a ser uma obra-prima, vale pelas sequências com o velho projetor analógico (apelidado de “Matusalém”), os “easter eggs” (cartazes de filmes, por exemplo) e, principalmente, a presença de um ator emblemático como Othon Bastos. Ele é um dos principais nomes na história do cinema brasileiro, tendo participado de produções clássicas como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963), entre tantos.
Nesse sentido, é preciso mencionar uma curiosidade. Em uma das sequências de “O último cine drive-in”, os poucos espectadores do espaço assistem à “Central do Brasil” (1998), filme simbólico da Retomada. Um dos atores dessa produção dirigida por Walter Salles é justamente Bastos. Sem contar também a questão temática.
E uma referência bem mais sutil é em outra cena, com a exibição na telona de “Targets” (1968), de Peter Bogdanovich. Ganha um doce quem adivinhar a citação.