Há mais de 30 anos, Ira! lançava disco sob a sombra de ‘Psicoacústica’ e ‘Amigos Invisíveis’
Quarto trabalho de estúdio da banda paulistana, “Clandestino” foi lançado em julho de 1990, repetindo a parceria com Paulo Junqueiro. Mas era um material irregular, espécie de rescaldo da obra-prima anterior e do registro solo de Edgard Scandurra
Em 1990, o Ira! completava uma década de história e vinha de “Psicoacústica” (1988), um disco “maldito” que, anos mais tarde, seria reconhecido como um dos melhores do rock produzido no período oitentista.
Nesse cenário, o então quarteto formado por Marcos “Nasi” Valadão (voz), Edgard Scandurra (guitarra), Ricardo Gaspa (baixo) e André Jung (bateria) lançou em julho de 90 seu quarto trabalho de estúdio, “Clandestino” (gravadora Warner Music). Portanto, há mais de 30 anos.
Formado por dez faixas, o álbum repetia a parceria do disco anterior entre banda e Paulo Junqueiro no processo de produção do material. A gravação de “Clandestino” ocorreu no verão de 1989/1990, no estúdio Nas Nuvens (RJ), com direção artística de Liminha.
Como é peculiar na história do Ira!, todas as canções têm o dedo de Scandurra na composição, seja em parcerias ou individualmente. Por exemplo, “Melissa” é de autoria dele com Nasi e André Jung; “Efeito Bumerangue” leva a assinatura do guitarrista com Ciro Pessoa; e “O Dia, A Semana, O Mês” tem apenas Scandurra na criação.
Feita a quatro mãos por Scandurra e Gaspa, a balada “Tarde Vazia” é provavelmente o maior hit desse disco, tendo sido tocada em rádios à época. Nos anos seguintes, a canção entraria em coletâneas da banda paulistana e ganharia grande projeção na versão acústica dos anos 2000, com a participação de Samuel Rosa (Skank) nos vocais. Inclusive, “Boneca de cera” também seria aproveitada nesse projeto desplugado.
Mas o LP tem outros destaques: o rock direto de “Nasci em 62” (Edgard Scandurra) e os já citados “O Dia, A Semana, O Mês”, “Melissa” e “Efeito Bumerangue”. De maneira geral, é um trabalho irregular do Ira!, cujo lançamento foi em seguida a “Amigos Invisíveis” (1989), incursão de Edgard Scandurra na carreira-solo. Em resumo, “Clandestino” é o rescaldo de dois trabalhos acima da média: a obra-prima da banda (“Psicoacústica”) e o discaço de seu principal compositor.

MISTURA
A imprensa nacional dos anos 90 destacou a mistura sonora do rock com outros estilos musicais em “Clandestino”.
Em matéria publicada em 26 de junho de 1990, O Globo aponta para “um sonoro berimbau” na faixa “Melissa”, referindo-se ao instrumento típico da capoeira; o “rock-afoxé”; e o samba na canção “Cabeças quentes”.
Aliás, Edgard Scandurra declarou à reportagem do jornal carioca que a banda estava numa fase de pesquisa de ritmos. “‘Clandestino’ é um disco de repertório variado, mas ele apresenta o Ira! na sua essência rock’n’roll”.
Outro detalhe do texto feito pelo repórter Mauro Ferreira é um balanço da trajetória da banda, que veio de um universo punk e de revolta, mas seguiu pelo mod. Com uma década de experiência em 1990, o Ira! estava mais maduro. “…mas isso também não quer dizer que tenhamos ficado pacatos. Se não, estaríamos tocando Bossa Nova”, disse o baixista Gaspa.
SAMBA
Na Folha de S.Paulo, o disco ganhou um destaque maior, em página inteira no caderno Ilustrada de 17 de junho de 1990.
O jornal paulista também destacou a confluência de gêneros no LP: samba-rock, rock-samba ou samba-bossa na mesma faixa “Cabeças quentes”. “Seja qual for o rótulo, trata-se de um samba mesmo, mas com uma ‘levada’ roqueira, de guitarras e distorções”, dizia o texto assinado por Luiz Caversan.
A reportagem apontou que esses elementos tão contrastantes (rock, samba, balada etc.) emprestam a “Clandestino” uma característica peculiar: a fragmentação. “Na verdade o disco revela um universo distinto de ritmos e sons”, sintetizava Nasi, na entrevista ao diário, destacando que o disco é despojado, sem elaboração conceitual.
Fechando a página da Folha, o crítico Luís Antônio Giron fez uma análise positiva (ainda que breve) do registro fonográfico: “‘Clandestino’ é um disco possível de ser ouvido com prazer, algo cada vez mais difícil no rock feito no Brasil”.

BÔNUS
Em 2015, a Warner Music do Brasil lançou um box comemorativo de 30 anos do Ira!. O material tinha os quatro primeiros álbuns da banda – “Mudança de comportamento” (1985), “Vivendo e não aprendendo” (1986), “Psicoacústica” (1988) e “Clandestino” (1990).
No caso deste último, as dez faixas originais foram acrescidas de dois bônus: “Tarde vazia” em versão ao vivo; e o registro de “Should I Stay Or Should I Go” (do The Clash), também live.