‘A alma do Ira! está muito viva’, diz Nasi
Em entrevista exclusiva ao CORREIO de Guarapuava, o vocalista do Ira! conversa sobre o novo álbum da banda, lançado em 2020. Nasi conta sobre o processo de produção do material e revela detalhes de algumas faixas
De um mod sobre os desencontros do amor na abertura (“O amor também faz errar”) a uma faixa climática, pós-punk, no fechamento (“A torre”). Ao longo de dez faixas, o novo álbum de estúdio do Ira! explora temas sobre amor, amizade, feminismo e existencialismo.
“Ira” (sem o ponto de exclamação) tem a cara da banda liderada por Nasi (voz) e Edgard Scandurra (guitarra/voz). “A alma do Ira! está muito viva”, diz o vocalista, em entrevista exclusiva ao CORREIO, por telefone. Ele destaca que o trabalho lançado nas plataformas digitais em 2020 se preocupou em apresentar um disco orgânico e consistente, feito no tempo certo.
Não à toa, Nasi diz que a crítica especializada tem apontado certa semelhança entre “Ira” e os primeiros discos da carreira da banda, caso de “Mudança de comportamento” (1985) e “Vivendo e não aprendendo” (1986). “Em termos de sonoridade, lembra muito os dois primeiros. Mas, em termos de qualidade, está inserido nessa tríade inicial”, acrescentando o experimental “Psicoacústica” (1988).
O Ira! retornou em 2014, fazendo muitos shows pelo Brasil e lançando o DVD ao vivo “Ira! Folk” (2017). Mas somente entre o final de 2019 e o início de 2020, a nova formação (com Evaristo Pádua na bateria e Johnny Boy no baixo) entrou em estúdio para gravar músicas inéditas. “A gente soube aguardar o momento em que boas canções aparecessem, porque a gente sabia que esse novo capítulo de uma nova formação, depois de uma volta, depois de uma separação turbulenta, teria de ser algo muito consistente”, explica o vocalista.
Nasi detalha que Edgard Scandurra (principal compositor da banda) começou a ter bastante inspiração em agosto, setembro de 2019. O passo seguinte foi entrar no estúdio de Apollo Nove, que é um produtor que vem trabalhando desde 2006 na carreira-solo do vocalista. “Sabia que ele seria um produtor excelente para o Ira!, porque ele não interfere mudando a característica da banda”, diz o entrevistado.
Como resultado, surgiu “Ira” no início do ano, com três canções “vazadas” em etapas. Segundo o vocalista, as dez faixas soam como uma banda ao vivo. “Um disco bem orgânico, um disco bem intenso”.
ÁLBUM
A princípio, quando surgiram as primeiras músicas, a banda cogitou o lançamento apenas de singles inéditos, como é muito comum hoje no mercado musical. Mas Nasi diz que o Ira! é de uma geração que gosta do conceito de álbum, ou seja, com faixas montadas em uma sequência narrativa, indo da primeira à última, fechando também cada lado de um LP.
“Esse disco foi feito com o pensamento de sequência de lado A, lado B. Ele tem um projeto de vinil que só não foi para a fábrica porque elas estão fechadas”, destacando que a banda gosta que surja a alma do interior de um disco, com músicas que conversem entre si.
Aliás, o novo trabalho reúne as vertentes que formam a sonoridade “irada”: punk, pós-punk, mod (The Who e The Jam), músicas de amor, indignação. Por isso, o disco leva simplesmente o nome de “Ira”.
*********Ouça o bate-papo com Nasi no formato pingue-pongue no podcast do CORREIO:
FAIXAS
Todas as músicas têm o dedo de Edgard Scandurra – talvez o guitarrista mais criativo do rock dos anos 80 no Brasil -, seja como compositor principal, seja em parceria (com Silvia Tape, Bárbara Eugenia e Virginie Boutaud).
Uma das preferidas de Nasi (cuja voz continua estrondosa) é “O amor também faz errar”, que abre o material (no “Lado A”) e tem uma estrutura mais complexa de canto no refrão. “Eu acho ela muito forte. Ela retrata bem o estilo do Ira! e essa influência do rock inglês dos anos 60”.
Para o vocalista, outros destaques são “Mulheres à frente da tropa”, com influências da MPB e da canção de protesto, e “Efeito dominó”, uma balada amorosa que tem tudo para ficar emblemática, avalia.
Já “A torre” e “Eu desconfio de mim” são duas músicas que remetem ao universo que Edgard e Nasi têm em comum, que é o pós-punk, o gótico. O vocalista gostaria que algum DJ fizesse um remix da climática “A torre” para a pista.
FEMININO
Um elemento forte no novo álbum é a presença feminina, seja na coautoria de composições, seja na vocalização.
Para Nasi, talvez uma sincronicidade de situações acabou por levar essa grande presença feminina para o álbum. “É um disco ‘Mulheres à frente da tropa’”, define.
Ele vê com bons olhos, pois espera que as garotas e mulheres ouçam esse trabalho e se sintam representadas, atraídas para ver o talento de mulheres cantoras/compositoras.
O vocalista também se diz preocupado com a escalada da homofobia, da intolerância religiosa e do feminicídio. “São pautas que a gente precisa estar muito atento e que, no mundo de hoje, resistem a um passo civilizatório”, avisa.
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